terça-feira, 28 de março de 2017

A crise do púlpito e a crise da igreja

 
Por René Padilla

Os últimos anos viram o florescimento, em círculos evangélicos, de uma inegável preocupação com uma maior coerência entre o reconhecimento de Jesus Cristo como Senhor e a missão da igreja. Se a autoridade de Cristo se estende sobre toda a criação, o povo que confessa seu nome é chamado a relacionar sua fé com a totalidade da vida humana. Nada que afete o homem e sua história está isento da necessidade e da possibilidade de se colocar em submissão a Cristo, e nada, portanto, está fora da órbita do interesse cristão e missional. A missão integral é uma consequência lógica da soberania universal de Jesus Cristo.

A partir dessa perspectiva, a missão da igreja não pode se restringir à pregação dos rudimentos do evangelho. Está orientada pelo propósito de Deus, que se cumprirá em seu devido tempo, de unir sob o domínio de Cristo todas as coisas, tanto no céu como na terra (ver Ef 1.10). Consequentemente, rejeita a dicotomia entre o secular e o sagrado e se constitui no fermento que leveda toda a massa. Isto não nega, claro, a importância da pregação. O que nega é que esta possa se limitar ao objetivo de “ganhar almas” e aumentar o número de membros nas igrejas evangélicas. Cumpre seu objetivo quando se coloca a serviço da missão integral, quando é portadora das boas novas do reino de Deus, quando ecoa aquele que diz: “Faço novas todas as coisas”.

Na Declaração Evangélica de Cochabamba, que surgiu da primeira conferência da Fraternidade Teológica Latino-americana (1971), se afirmou que “o púlpito evangélico está em crise [...] A mensagem bíblica tem indiscutível pertinência para o homem latino-americano, mas sua proclamação não ocupa entre nós o lugar que lhe corresponde”. Desde então, aconteceram mudanças surpreendentes no povo evangélico em todo o continente. Por exemplo, sua participação na política nacional em vários países. Em relação à pregação, no entanto, persiste o generalizado problema da improvisação e da superficialidade. A crise do púlpito é ao mesmo tempo uma causa e um sintoma da crise da igreja. É causa porque não se pode esperar que sem o cultivo da Palavra a igreja dê seus melhores frutos: a uma pregação pobre corresponde uma vida eclesiástica igualmente pobre. É sintoma porque a matriz dos pregadores é a igreja: as debilidades e carências que afetam a esta necessariamente repercutem nos portadores de sua mensagem.

Devido à relação descrita, a renovação da pregação é inseparável da renovação da vida e da missão da igreja. O objetivo da pregação, como o da própria igreja, é que o evangelho do reino penetre em todas as esferas da vida humana, tanto em nível pessoal como comunitário, e que a glória de Deus em Jesus Cristo se manifeste em todas as esferas da sociedade. A renovação da vida e da missão da igreja será genuína caso contribua para a realização desse objetivo, para o qual terá que começar pela renovação do entendimento a que faz referência o apóstolo Paulo em Romanos 12.2.

Só uma pregação que leve muito a sério a Palavra de Deus e a relacione com a situação socioeconômica, cultural e política que nos rodeia servirá para modelar uma igreja cujos membros amem a Deus com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com todas as forças, e ao próximo como a si mesmos. A pregação cumpre seu propósito quando esconde o pregador atrás da cruz de Cristo e busca diligentemente o crescimento na prática do amor a Deus e ao próximo em todas as dimensões da vida daqueles que a escutam.

Traduzido por Wagner Guimarães.

Texto publicado originalmente na edição 364 da revista Ultimato.

• C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de Missão Integral – O reino de Deus e a igreja. Acompanhe seu blog pessoal.

sábado, 11 de setembro de 2010

Uma agenda para o voto consciente por parte dos evangélicos

Estou compartilhando este texto do Franklin Ferreira, publicado originalmente no blog da fiel.

 "A política é o espaço do bem comum", podendo ser, portanto, entendida como uma forma de praticar o amor cristão, na medida em que, "através dela, o bem e a justiça podem chegar a todos". Mas para que isso aconteça, é necessário que "a ação política seja baseada em valores éticos". Além disso, a transformação da conjuntura social de acordo com a cosmovisão cristã é, também, uma forma de evangelizar. Portanto, com o objetivo de propor o voto consciente e responsável aos cristãos evangélicos, sugerimos alguns elementos que deverão ser considerados na hora da sua escolha eleitoral:
1. "Conhecer as idéias e valores do candidato e sua história pessoal", pois somente assim "é possível avaliar bem os compromissos da campanha eleitoral. Decência pessoal e escala de valores, orientada para o interesse público, é o que se deve buscar num candidato". Se ele se identifica como cristão, é importante saber a que igreja ou comunidade ele está filiado, e se ele a freqüenta regularmente, buscando conselho e prestando contas à mesma.
2. Também se deve considerar se seus projetos estão de acordo com os do partido ao qual ele está filiado, pois ao votar em um candidato vota-se também num partido, ajudando a eleger candidatos do mesmo partido. Por isso, é preciso conhecer os programas e a filosofia do partido. No caso de candidatos evangélicos, se deve averiguar se estes e seus partidos não somente afirmam, mas estão comprometidos com a separação entre a igreja e o estado, lembrando que toda autoridade procede de Deus.
3. Lutar contra todas as formas de corrupção (a) apoiando mecanismos de controle do uso do dinheiro público e das prioridades do governo; (b) colaborando para que projetos tais como o Ficha Limpa, que tratem sobre a ética nas eleições, sejam conhecidos e aplicados; (c) denunciando o uso da máquina administrativa federal, estadual ou municipal para favorecer determinados candidatos; (d) em conformidade com a lei no 9.840, denunciando a compra de votos através de dinheiro ou promessas de vantagens pessoais, assim como quem obrigue os eleitores a votar em determinados candidatos, seja por meio de ameaças, seja através de pressão religiosa.
4. Apoiar propostas que defendam a vida e a dignidade do ser humano em qualquer circunstância. "A vida humana é sagrada, desde sua concepção até a morte natural". Portanto, defender a vida inclui (a) combater o aborto e a eutanásia; (b) reprimir a violência por meio de políticas de segurança pública realistas; (c) promover uma ética do trabalho que enfatize virtudes bíblicas tais como honestidade, pontualidade, diligência, obediência ao quarto mandamento ("seis dias trabalharás"), obediência ao oitavo mandamento ("não furtarás") e obediência ao décimo mandamento ("não cobiçarás"); (d) defender o direito à propriedade privada como direito fundamental (cf. Êx 20.15, 17; 1Rs 21).
5. "Analisar se o candidato defende a liberdade de educação e a formação integral do ser humano, inclusive em sua dimensão religiosa", deste modo promovendo uma escola digna e de qualidade para todos. Verificar também se ele promove as liberdades individuais, por meio do estabelecimento de normas gerais de conduta, que redundem em liberdade de expressão, associação e de imprensa.
6. Rejeitar candidatos e partidos com ênfases estatizantes e intervencionistas nas esferas familiar, eclesiástica, artística, trabalhista e escolar, que conceba um ambiente onde se tem pouca ou nenhuma liberdade pessoal e nenhuma liberdade econômica. Para a fé cristã, a família, a igreja, o trabalho e a escola são esferas independentes do estado, pois existem sem este, derivando sua autoridade somente de Deus. Logo, o papel do estado é mediador, intervindo quando as diferentes esferas entram em conflito entre si ou para defender os fracos contra o abuso dos demais. Conseqüentemente, os cristãos devem resistir a todo sistema político totalitário (cf. At 5.29; Ap 13.1-18).
7. Repudiar ministros, igrejas ou denominações que tentem identificar determinada ideologia com o reino de Deus ou com a mensagem bíblica. Como afirma a Declaração de Barmen [8.18], "rejeitamos a falsa doutrina de que à Igreja seria permitido substituir a forma da sua mensagem e organização, a seu bel-prazer ou de acordo com as respectivas convicções ideológicas e políticas reinantes". A igreja, ao proclamar com fidelidade a Palavra de Deus, influencia o estado, de modo que suas leis se conformem com a vontade de Deus, decorrendo daí conseqüências políticas de tal fidelidade ao chamado primário da comunidade cristã.
8. Apoiar candidatos comprometidos com propostas e leis que sejam derivadas da lei de Deus, como revelada nas Escrituras, posto que esta é a fonte absoluta e final da ética pessoal, eclesiástica e social. Há que se ter compromisso por parte do candidato com o contrato social, que é um acordo entre os membros de uma sociedade pelo qual reconhecem a autoridade sobre todos de um conjunto de regras, a constituição, que limita o poder, organiza o estado e define direitos e garantias fundamentais.
9. Valorizar candidatos e partidos comprometidos com o modelo republicano de governo, no qual a nação é governada pela lei constitucional e administrada por representantes eleitos pelo povo, assim como a divisão e a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, de modo que nenhum governo ou ramo do governo monopolize o poder. Assim também valorizar aqueles que respeitem a alternância do poder civil, que impede que um partido ou autoridade se perpetue no poder, assim como a defesa do pluralismo político e partidário.
10. Apoiar candidatos que enfatizem as funções primordiais do Estado, onde os governantes têm a obrigação de zelar pela segurança do povo, pela qual pagamos tributos (cf. Rm 13.1-7), assim como ressaltem a limitação do poder do estado, pois a partir das Escrituras, entende-se que o governo civil não tem autoridade para impor impostos exorbitantes, redistribuir propriedades ou renda, criar zonas francas ou confiscar depósitos bancários.
Pedimos que o Cristo Rei, o único e absoluto soberano e Senhor, nos sustente e nos conduza sempre em nossas opções políticas. Façamos destas eleições um gesto de amor a este país e a nossos irmãos e irmãs, para maior glória de Deus.
Bibliografia para aprofundamento:
• "A Declaração Teológica de Barmen", em A Constituição da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos da América, Parte 1: Livro de Confissões (São Paulo: Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969), 8.01-8.28.
• Johannes Althusius, Política (Rio de Janeiro: Top Books, 2003).
• Alain Besançon, A infelicidade do século (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000).
• João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. ed. latina de 1559 (São Paulo: Cultura Cristã, 2006), IV.20.1-32.
• W. Gary Crampton & Richard E. Bacon, Em direção a uma cosmovisão cristã (Brasília: Monergismo, 2009).
• Abraham Kuyper, Calvinismo (São Paulo: Cultura Cristã, 2002).
• Augustus Nicodemus Lopes, Ética na política e a universidade: Carta de princípios 2006 (São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2006).
• F. Solano Portela, "Estado e política em João Calvino, na Confissão de Fé de Westminster e em Abraham Kuyper", em Franklin Ferreira (ed.), "A glória de sua graça": ensaios em honra a J. Richard Denham (São José dos Campos, Fiel, 2010), no prelo.
• Francis Schaeffer, A igreja no século 21(São Paulo: Cultura Cristã, 2010).
Voto consciente: dever do cristão (Rio de Janeiro: Arquidiocese do Rio de Janeiro, s/d).
 


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

NOÇÕES GERAIS SOBRE A TEOLOGIA SISTEMÁTICA.

Faça um comentário abaixo sobre o texto e sua relevância.

 

NOÇÕES GERAIS SOBRE A TEOLOGIA SISTEMÁTICA.

O QUE É TEOLOGIA SISTEMÁTICA?

            Ela é uma ciência cognitiva[1] que trata de Deus e Suas relações com o homem e com o mundo, duma forma analisada, testada e integrada, apresentando a verdade revelada num conjunto harmônico e topicamente estruturado. O alvo do teólogo sistemático é

usar a sua mente para aprender e afirmar, tanto quanto possível em ordem, todas as coisas que Deus ensina nas Escrituras, assim como ser capaz, então, de ir a Deus cognitivamente no exercício da fé e oração, e para discernir Sua vontade em cada situação, para a prática de uma obediência fiel[2].

            Assim, a Teologia Sistemática, mesmo sendo uma ciência cognitiva, é parte integrante da vida. Ela penetra o todo da nossa vida porque ela trata de nossas relações com Deus e tudo isso é e deve estar relacionado com a nossa vida na sociedade em que vivemos.

            Temos que restaurar a importância da Teologia Sistemática para a vida da igreja. Mas para isso ela tem que ser centrada na Escritura, ser teocêntrica, e ser útil para este mundo em mudança. A Teologia Sistemática deve ser apresentada como uma resposta aos reclamos da presente geração para que a presente geração se adapte ao evangelho de Jesus Cristo. A Teologia Sistemática  não deve ser dissociada do mundo em que vive. Ela deve ser uma apresentação das verdades reveladas de tal forma que a presente geração possa entendê-la e ser transformada pelos conceitos corretos elaborados por ela, através da aplicação do Espírito Santo.

            Ela é um departamento da Teologia que está intimamente ligado com os outros departamentos, mas

"não devemos nunca nos esquecer de que toda a Teologia Sistemática é um arranjo debaixo de divisões apropriadas, do testemunho total da revelação das verdades com respeito a Deus e de suas relações com o mundo. Visto que a Bíblia é a principal fonte de revelação e é a Palavra de Deus, a Sistemática é a disciplina que, mais do que outra qualquer, reivindica confrontar-nos, os homens, com o próprio testemunho de Deus de tal modo em sua totalidade que ela pode fazer com que o impacto sobre nossos corações e mentes pelos quais seremos conformados à Sua imagem em conhecimento, justiça e santidade da verdade[3]".

NECESSIDADE DA TEOLOGIA SISTEMÁTICA[4].

            Alguém poderia perguntar: "Por quê as verdades da Escritura, como as temos, tem que ser estudadas sistematicamente? Por quê temos o trabalho de tentar relacioná-las e harmonizá-las"?

            Hodge dá algumas respostas a essas perguntas:

1.         Nenhuma área do conhecimento humano possui homens que estejam satisfeitos com as verdades de fatos sem que estes estejam relacionados e harmonizados.

            A mente humana trabalha de tal forma que ela exige a concatenação dos fatos, e estes devem ser apresentados harmoniosa e sistematicamente para um melhor aprendizado. É por esta razão que a Escritura deve ser apresentada sistematicamente para uma melhor compreensão dela como um todo.

2.         O mais alto grau de conhecimento não é obtido pelo simples acúmulo de fatos isolados.

            Para que conheçamos o planeta terra não basta conhecer os oceanos, os países, ilhas, montanhas, etc. É necessário conhecer tudo num conjunto, suas causas, a 'razão, o como e o por quê' da distribuição das terras e mares, da origem das montanhas, clima, as raças, a vida animal e vegetal, etc. Há a necessidade de uma idéia de conjunto das verdades harmonizadas para que conheçamos uma ciência.

            O que é verdadeiro das outras ciências também o é da Teologia. Não podemos conhecer o que Deus tem revelado na Sua Palavra a menos que entendamos, ao menos em alguma medida, a relação nas quais as verdades separadas estejam relacionadas umas às outras.

3.         Não temos outra escolha neste assunto. Se somos defensores da verdade de Deus, temos que conhecê-la suficientemente bem para poder ensiná-la. E a única maneira de conhecê-la bem é sistematizá-la. Na Teologia Sistemática podemos ter uma noção do conjunto da revelação divina.

4.         Porque Deus quer que conheçamos a sua verdade de maneira sistematizada. Deus não ensina aos homens a química ou a biologia, mas Ele dá aos homens os fatos que são a matéria para se construir as ciências.

            Deus não ensina a Teologia aos homens. Ele dá o material para que façamos Teologia, que é a revelação divina registrada na Escritura, a qual propriamente entendida e arranjada, constitui a ciência da Teologia.

            Como os fatos da natureza estão todos ligados e determinados por leis físicas, assim os fatos da Bíblia estão todos ligados e determinados pela natureza de Deus e de Suas criaturas.

            A despeito das Escrituras não serem um compendio de Teologia Sistemática como um todo, há algumas epistolas do N.T. que são, de algum modo, porções desse sistema que vieram às nossas mãos.

 

 

Material produzido pelo Dr. Héber Carlos Campos.



[1] J.I. Packer, "Is Systematic Theology a Mirage? An Introductory Discussion", in Doing Theology in Today's World, p.18.

[2] Packer, op.cit.p.25.

[3] John Murray, "Systematic Theology, II, Westminster Theological Journal, vol. 26, 1963-64, p. 46.

[4] Ver Charles Hodge, Systematic Theology, vol. 1 (Grand Rapids; Eardman's, 1981), p. 2.

 


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Teologia do Culto - Atividade 1

Leia o artigo abaixo e deixe o seu comentário.

Tensões no culto evangélico brasileiro

07/06/2004 10:14:23 Uma das áreas mais polêmicas dentro do Cristianismo é exatamente aquela em que deveria haver mais harmonia e consenso entre os cristãos, ou seja, o culto. Através da sua história, a Igreja Cristã vem se debatendo com disputas, discussões e discordâncias quanto a alguns importantes aspectos relacionados com o serviço divino. E o debate, naturalmente, está presente na igreja evangélica brasileira.
Por exemplo, a questão da organização versus liberdade na liturgia. Até que ponto podemos organizar e estruturar a ordem ou seqüência dos atos de cultos sem que isso tire a espontaneidade dos participantes? Ou mais grave ainda, até que ponto a própria idéia de preparar uma liturgia antecipadamente já não representa uma limitação à liberdade do Espírito de Deus em dirigir o culto como deseja? Igrejas, movimentos e grupos dentro do evangelicalismo brasileiro têm assumido as vezes lados radicalmente opostos nessa questão. De um lado temos liturgias elaboradas milimetricamente, realizadas por ministros paramentados de acordo com o calendário eclesiástico e as estações do ano, exigindo formalidade, seriedade e reverência; de outro, cultos sem qualquer ordem ou seqüência pré-estabelecidos, onde as coisas acontecem ao sabor da inspiração momentânea do dirigente, supostamente debaixo da orientação do Espírito de Deus. Felizmente, onde predomina o bom senso e um desejo de seguir os princípios bíblicos para o culto a Deus, adota-se uma liturgia que procura usar o que há de melhor nos dois esquemas, unindo seriedade reverente com liberdade exultante.
Outra tensão é entre ofício e participação . Quem deve dirigir o culto a Deus? Quem pode participar ativamente na liturgia? Somente aqueles que foram ordenados para isso – pastores e presbíteros? Ou qualquer membro da comunidade? Respostas variadas têm sido dadas a essas questões por diferentes grupos evangélicos no Brasil. Por um lado encontramos igrejas que entendem que apenas aqueles que foram treinados adequadamente e posteriormente autorizados (ordenados) pela igreja é que podem participar ativamente do serviço divino. Outros grupos, como os quacres do passado e alguns movimentos quietistas modernos, rejeitam a própria idéia de ofício e dispensam qualquer ordem ou liderança no culto público. Encontramos nas igrejas evangélicas brasileiras variações desses extremos. Parece-nos claro que o caminho correto é manter no culto a liderança claramente bíblica dos presbíteros e pastores e ao mesmo tempo procurar entre os não-ordenados aqueles que têm dons públicos que possam, após treinamento adequado, participar ativamente da liturgia.
Mais uma tensão: formalismo versus simplicidade . Relacionada com esta vem a tensão entre solenidade e alegria . Esses extremos na verdade não se excluem. São todos elementos do culto bíblico, muito embora em sua história, a Igreja tenha por vezes enfatizado uns em detrimento dos outros. Mais uma vez, a busca pelo equilíbrio bíblico deve marcar a liturgia das igrejas evangélicas.
Mas existe ainda uma tensão – talvez a um nível mais profundo – que representa um sério desafio para a liturgia da Igreja, que é mente versus coração . Ou mais exatamente, qual o lugar da mente no culto? Pode-se cultivar o entendimento e o crescimento intelectual sem perder-se de vista o papel do coração no culto? Um culto só é realmente espiritual se a mente for deixada de lado e o coração envolver-se inteiramente? Muitos grupos evangélicos hoje responderiam sem hesitar que a mente acaba por representar um obstáculo na experiência da verdadeira adoração, e que deve ser deixada de lado para que as emoções fluam livremente. Desse ponto de vista, as partes do culto, e especialmente a pregação, devem facilitar a experiência litúrgica. A pregação acaba por ser relegada a plano secundário, sendo substituída por relatos de experiências pessoais; ou quando é feita, via de regra (há exceções) é uma coleção de casos, exemplos e experiências, intermediados aqui e ali por trechos bíblicos nunca expostos e explicados, mas citados como prova.
Mas essa tendência é bem antiga. Paulo teve que corrigir o desequilíbrio litúrgico dos coríntios, com sua ênfase na participação, uso dos dons, liberdade e pouca atenção à instrução e o uso da mente. Modernamente, percebe-se sem muito esforço a tendência de se enfatizar participação, louvor, testemunhos, dramas e corais, em detrimento da pregação da Palavra durante os cultos dominicais de muitas igrejas.
É essa última tensão que tem questionado com mais radicalidade a natureza, necessidade e propósito da pregação nos cultos. O que nos parece fundamental neste assunto é que, desde o início, Deus usou a pregação expositiva de sua Palavra como veículo de revelação da Sua vontade ao Seu povo; e que portanto, a pregação nunca deve ser relegada a plano secundário no culto, mas deve sempre ocupar lugar central de destaque.
Estas são algumas das tensões na igreja evangélica brasileira quanto ao culto. Nem sempre elas têm sido bem resolvidas. Provavelmente, o caminho para um culto que seja bíblico e brasileiro tenha de passar pelas seguintes vertentes:
1) Empregar o princípio de que devemos manter no culto somente aqueles elementos que possam, de forma direta ou indireta, encontrar respaldo nas Escrituras do Novo Testamento. De outra forma, desprovida de referencial, a igreja brasileira não terá como impedir a avalanche de inovações no culto, algumas bem intencionadas porém apócrifas, e outras inspiradas até em práticas das religiões afro-brasileiras.
2) Reconhecer que há circunstâncias do culto que não estão necessariamente definidas, proibidas, ou ordenadas nas Escrituras, e que podem ser adotadas à critério das igrejas, respeitada a história, a tradição, a cultura e especialmente o bom senso.
3) A busca do equilíbrio nas tensões mencionadas acima, reconhecendo que qualquer dos extremos citados termina prejudicando o culto, por reduzi-lo e privá-lo da plenitude desejada por Deus.
O culto é certamente um dos aspectos mais centrais da vida das igrejas evangélicas, pois nele deságuam as doutrinas, as crenças, as práticas, as tensões e a vida espiritual das comunidades. Uma igreja é aquilo que seu culto é. Como parte da sua reflexão e reforma, a igreja evangélica brasileira deveria enfocar mais este assunto

  • AUTOR
 

Augustus Nicodemus

É paraibano e pastor presbiteriano. É bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (Recife), mestre em Novo Testamento pela Universidade Reformada de Potchefstroom (África do Sul) e doutor em Interpretação Bíblica pelo Westminster Theological Seminary (EUA), com estudos no Seminário Reformado de Kampen (Holanda). Foi professor e diretor do Seminário Presbiteriano do Norte (1985-1991), professor de exegese do Seminário JMC em São Paulo, professor de Novo Testamento do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (1995-2001), pastor da Primeira Igreja Presbiteriana do Recife (1989-1991) e pastor da Igreja Evangélica Suiça de São Paulo (1995-2001). Atualmente é chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro. É autor de vários livros, entre eles O que você precisa saber sobre batalha espiritual (CEP), O culto espíritual (CEP), A Bíblia e Sua Familia (CEP) e A Bíblia e Seus Intérpretes (CEP). É casado com Minka Schalkwijk e tem quatro filhos Hendrika, Samuel, David e Anna.

 Artigo publicado originalmente no site www.teologiabrasileira.com.br
 


quarta-feira, 21 de julho de 2010

HERMENÊUTICA



 Quem Precisa de Hermenêutica?


         de MOISÉS SILVA

 

O termo hermenêutica (assim como seu primo mais ambíguo e até misterioso, hermenêutico) tem-se tornado cada vez mais popular em recentes décadas. Como resultado, tem sido ampliado e estendido de todas as formas. Usado por tantos escritores, o termo transforma-se em alvo móvel, gerando ansiedade nos leitores que buscam, em vão, defini-lo e compreender o que significa.

Seu significado tradicional é relativamente simples: é a disciplina que lida com os princípios de interpretação. Alguns escritores gostam de chamá-la de ciência da interpretação; outros preferem falar de arte da interpretação (talvez com a implicação: "Ou você a tem ou não!"). Deixando de lado essas diferenças de perspectiva, o interesse básico da hermenêutica é claro o suficiente. Deve ser acrescentado, entretanto, que quando os escritores usam o termo, na maioria das vezes o que eles têm em mente é a interpretação bíblica. Mesmo quando é outro texto que está sendo discutido, a Bíblia provavelmente assoma por trás.

Esta última observação suscita uma questão interessante. Afinal, por que tal disciplina deveria ser necessária? Nunca tivemos aula sobre "Como Interpretar o Jornal". Nenhum colégio propõe um curso sobre "A Hermenêutica da Conversação". Isso é uma realidade até com respeito a cursos sobre Shakespeare ou Homero, que certamente tratam de interpretação da literatura, mas em que nenhum pré-requisito de hermenêutica aparece. Por que então somos informados subitamente em nossa instrução acadêmica que precisamos nos tornar hábeis em uma ciência de som exótico, se queremos entender a Bíblia?

Uma resposta possível que pode ocorrer é que a Bíblia é um livro divino, e assim exige de nós algum treinamento especial para entendê-la. Mas esta solução simplesmente não satisfaz. Como expressou um estudioso católico romano, "Se alguém é capaz de falar de maneira absolutamente clara e tornar-se compreensível com eficácia irresistível, esse tal é Deus; portanto, se há alguma palavra que poderia não exigir uma hermenêutica, essa seria a palavra divina"[1] Os protestantes, por essa razão, têm sempre enfatizado a doutrina da perspicuidade ou clareza das Escrituras. A Bíblia em si nos diz que o pré-requisito essencial para entender as coisas de Deus é ter o Espírito de Deus (1Co 2.11), e que o cristão, tendo recebido a unção do Espírito, não precisa nem mesmo de um professor (1Jo 2.27).

O que ocorre, na realidade, é que precisamos da hermenêutica não exatamente pelo fato de a Bíblia ser um livro divino, mas porque, além de ser divino, é um livro humano. Estranho como possa soar aos ouvidos, esta maneira de olhar nosso problema pode nos colocar no caminho correto. A linguagem humana, por sua própria natureza, é grandemente equívoca, isto é, capaz de ser compreendida em mais de uma forma. Não fosse assim, nunca duvidaríamos do que as pessoas querem dizer quando falam; se proposições pudessem significar somente uma coisa, dificilmente ouviríamos debates sobre se Johnny disse isso ou aquilo. Na prática, é claro, o número de palavras ou sentenças que geram mal-entendidos constitui uma proporção muito pequena do total de proposições emitidas por um determinado indivíduo em um determinado dia. O que precisamos reconhecer, porém, é que o potencial para uma má interpretação está sempre presente.

Em outras palavras, precisamos da hermenêutica para textos além da Bíblia. Na verdade, nós precisamos de princípios de interpretação para entender conversações triviais e até mesmo acontecimentos não-lingüísticos — afinal, a falha em compreender o piscar dos olhos de alguém poderia significar um desastre em certas circunstâncias. Mas, então, retornamos à nossa questão original: Por que não nos foi exigido estudar hermenêutica no segundo grau? Por que é que, apesar dessa omissão em nossa educação, quase sempre compreendemos o que nosso próximo nos diz?

A resposta simples é que aprendemos hermenêutica durante toda a nos­sa vida, desde o dia em que nascemos. Pode até ser que as coisas mais importantes que aprendemos sejam aquelas que fazemos inconscientemente. Em resumo, quando você começa um curso de hermenêutica, pode estar certo de que já conhece muito bem os princípios mais básicos de interpretação. Toda vez que você lê o jornal ou ouve uma história ou analisa um acontecimento, prova a si mesmo que é um entendido na arte da hermenêutica!

Isso talvez seja algo perigoso de se dizer. Você pode ser tentado a fechar este livro "inútil" imediatamente e devolvê-lo à livraria, na esperança de conseguir seu dinheiro de volta. Entretanto, é necessário que apresentemos a questão e a ressaltemos. Além de gozar de um relacionamento correto com Deus, o princípio mais fundamental da interpretação bíblica consiste em colocar em prática o que fazemos inconscientemente todos os dias de nossa vida. A hermenêutica não é primariamente uma questão de aprender técnicas difíceis. O treino especializado tem o seu lugar, mas é, na verdade, bastante secundário. Poderíamos dizer que o que importa é aprender a "transpor" nossas rotinas interpretativas costumeiras para a nossa leitura da Bíblia. É justamente aí que começam nossos problemas.

Por uma razão, não devemos pensar que o que fazemos todos os dias seja tão simples assim. Antes que você pudesse ler uma revista, por exemplo, você teve que aprender inglês. Você acha que isso é fácil? Pergunte a qualquer estrangeiro que tentou aprender inglês depois da adolescência. Notavelmente, você atravessou esse difícil e complicado processo com grande sucesso nos primeiros poucos anos de sua vida. Aos 4 ou 5 anos de idade, você — e todo e qualquer ser humano sem deficiências — já teria dominado centenas e centenas de regras fonológicas e gramaticais. Na realidade, seu vocabulário era bastante limitado, mas aprendê-lo é a parte mais fácil do domínio de uma língua.

Além disso, sua mente recebe, cotidianamente, incontável número de impressões. Estas são os fatos da História — primeiramente suas experiências pessoais, porém suplementada pelas experiências de outros, incluindo informação sobre o passado - com todas suas associações, quer psicológicas, sociais ou outras quaisquer. De maneira não menos impressionante que a aquisição de uma língua, seu cérebro organiza cuidadosamente essas milhões de impressões, mantendo algumas na superfície, outras em nível semiconsciente, e ainda outras em algo equivalente a uma lata de lixo.

É tudo um componente essencial da interpretação eficiente. Sigamos nossa ilustração um tanto fictícia: Toda vez que você recebe uma impressão, sua mente verifica se esse já é um fato arquivado; se não, ela relaciona essa nova impressão às obtidas anteriormente a fim de que possa fazer sentido. Usando outra analogia comum, seu cérebro é como um filtro que seleciona todos os dados novos. Se um fato anterior despercebido não passa pelo filtro, seu cérebro tem apenas duas escolhas imediatas: forçá-lo pelo filtro distorcendo a evidência ou rejeitá-lo completamente. O último é o equivalente inconsciente "Já tomei uma decisão — portanto, não me perturbe com os fatos". Há, porém, uma terceira opção: admitir sua ignorância e deixar o novo fato de lado até que seu filtro seja capaz de lidar com ele.

Vemos, então, que nossa prática diária de interpretação não é tão simples como podíamos ter imaginado. Exige um processo bastante complexo (ainda que geralmente inconsciente) que concentra-se na linguagem e na História, usando ambos os termos num sentido bastante amplo. Obviamente, nossa compreensão é reduzida à medida que a linguagem ou os fatos que estão sendo interpretados são desconhecidos para nós. Se um advogado usa linguagem técnica legal quando procura iniciar uma conversa com um estranho no metrô, dificilmente se pode esperar que haja muita compreensão. De maneira semelhante, uma pessoa que não acompanhou os desenvolvimentos do governo americano, por um período extenso de tempo, não será capaz de compreender um editorial de um jornal, ou até mesmo caricaturas políticas.

 

Copyright © 2002 Editora Cultura Cristã. Todos os direitos reservados. Reproduzido com a devida autorização. 

O livro de Walter C. Kaiser, Jr. e Moisés Silva do qual este texto foi extraído, "Introdução à Hermenêutica Bíblica", pode ser encomendado da Editora Cultura Cristã selecionando a capa do livro ao lado: 



[1] Luiz Alonso-Schökel, Hermenéutica de la Palavra (Madrid: Cristandad, 1986), 1:83



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Bem - Vindos ao meu blog!!!

Olá pessoal!!!

Este blog será uma ferramenta adicional para as minhas disciplinas ministradas no SPRBC - Seminário Presbiteriano Renovado Brasil Central.


Através dele pretendo publicar artigos, promover fóruns, sermões e material adicional das minhas matérias.



forte abraço a todos,




Pr. Diony H. Dias